domingo, 1 de junho de 2008

Ah, esses Ronaldinhos...

“Você quebra a cara, se mete num desastre moral e os cirurgiões plásticos de sua imagem aparecem e restauram tudo”
Caio Gomez/Especial prara o CB



Há cerca de um mês, na Europa, abri o jornal espanhol El Mundo (13/4/2008) e vi uma notícia sobre o Ronaldinho Gaúcho que me deixou preocupado. A gente tem dele aquela imagem do garotão com o sorriso cheio de dentes, aquele lépido e dançarino jogador iludindo o adversário ludicamente e inventando dribles, passes e chutes desconcertantes. E minha simpatia por ele aumentou quando soube que sustenta um time de futebol e apóia algumas causas sociais.

Ele é uma figura internacional. Nos aeroportos, no topo dos edifícios em todo o mundo há cartazes com sua foto, pois ele faz anúncio de uma dezena de produtos. Mas o produto, a rigor, é ele. Ele cola qualidade ao objeto. E tanto dinheiro ganhou que apareceu na lista das personalidades mais ricas do mundo.

Mas a notícia que li parecia mais um pré-anúncio fúnebre, descrevia-o à beira de um precipício moral e profissional. Primeiro assinalava que ele engordou muito. De fato, noutro jornal vi uma foto comparando-o a outros atletas, era o único que tinha gordura sobrando na barriga. A seguir narravam que ele aparecia sonolento nos treinos e até dormia no vestiário. Ajuntavam que ele não queria ouvir os conselhos e advertências dos amigos. Andava exagerando na balada da noite. Faziam alusão até a uma relação incestuosa, enfim, diziam que estava prestes a ser mandado embora do Barcelona.

Fiquei chocado e me dei conta de que, por aqui, não se falava disso. Só agora começam a aparecer vagas notícias a respeito.

Ah, o sucesso! Ah, esses Ronaldinhos!... O que faz o sucesso com certas pessoas!

Outro dia foi o Ronaldão que se meteu em mais uma trapalhada com os travestis no Rio. Nesse caso, o que mais me espantou foi que se tornou pública a existência de empresas especializadas em restaurar a imagem de ídolos. Exatamente. Chamaram até uma empresa espanhola para consertar, não o joelho, mas a imagem do Ronaldão. Quer dizer, você quebra a cara, se mete num desastre moral e os cirurgiões plásticos de sua imagem aparecem e restauram tudo.

De fato, em poucos dias o Ronaldão reaparecia sorrindo com a namorada, falava-se até de gravidez da moça (apesar de ser público que o craque havia feito vasectomia), os travestis envolvidos no caso pediam desculpas, o delegado vinha com sua fala mansa, programas de televisão, capas de revista, enfim, estava feita a cirurgia na imagem do craque.

Alguém pode dizer: mas isso sempre foi assim. Os faraós no Egito, César em Roma, Luiz XIV na França vendiam imagens de si mesmos. Mas agora isso agravou-se, generalizou-se. A publicidade, o marketing, o mundo dos simulacros nos vende o que bem quer, do jeito que quer e nos convence que fizemos ótimo negócio. Não compramos o que queremos, compramos o que nos vendem. Nessa relação perversa, a ética foi pro brejo. A ética e a estética.

A fama é gêmea do poder. Para conhecermos bem uma pessoa, devemos dar-lhe pelo menos 15 minutos de fama ou poder. Aí ela solta seus anjos e demônios. O diabo é quando há mais demônios que anjos.

Felizmente, no futebol, alguns conheceram a escalada da glória, mas fizeram essa travessia de maneira hábil e produtiva. É o caso de Raí, de Zico e, sobretudo, de Pelé.

Que Ronaldinho Gaúcho saia da beira do abismo e se salve. Pois toda vez que um ídolo se quebra, algo também se desfaz dentro de nós. A gente vive transferindo para ele nosso ideal de perfeição e sempre acha que os heróis olímpicos dialogam com deuses.


Affonso Romano de Sant’Anna escreve quinzenalmente neste espaço

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