sábado, 3 de maio de 2008

LUIZ GONZAGA MOTA

UnB: crescer com a crise

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LUIZ GONZAGA MOTA
Jornalista, doutor em comunicação, é professor da UnB

A Universidade de Brasília passou por mais uma crise em sua curta e dramática história. E que crise. Denúncias pipocaram, o câmpus foi ocupado por soldados que cercaram o prédio da Finatec sob intervenção. Os estudantes ocuparam durante 13 dias as instalações da reitoria, e a UnB virou manchete da mídia de todo o país. O reitor renunciou e a universidade permaneceu três dias à deriva, sem comando.

Apesar de tudo isso, a universidade seguiu o curso normal. Não houve greve, nenhuma aula foi paralisada e o calendário letivo foi mantido. Nada foi quebrado ou danificado, não houve violência, ninguém apanhou ou bateu, salvo escaramuças. Foram interrompidos apenas alguns processos administrativos que dependiam de seções instaladas no prédio da reitoria. O resto funcionou normalmente.

A comunidade universitária, embora traumatizada com a rápida sucessão dos acontecimentos, deu demonstração de civilidade e maturidade. As demandas foram todas encaminhadas dentro da legalidade por meio de negociações políticas. E as denúncias estão sendo apuradas pelos órgãos competentes dentro e fora da UnB. Como deve ser.

Embora algumas instituições externas como o Ministério Público e o MEC tenham desempenhado papel decisivo na crise, a comunidade universitária está encaminhando por si própria, sem traumas, as soluções. Saindo do período de turbulências com tranqüilidade, a Universidade de Brasília parece estar passando por profunda revisão de sua atuação como casa de ensino e de saber. Ainda que a profundidade dessa transformação só ficará clara nos meses que virão.

O principal indicador dessa revisão é o aparente deslocamento de poder que se processa neste momento no câmpus. As administrações anteriores se pautaram pelo centralismo administrativo e pelo esvaziamento dos órgãos colegiados, relegados a meros referendadores de decisões previamente acordadas.

A crise mudou isso. Em primeiro lugar, o movimento estudantil recuperou o prestígio, se deu conta do poder que possui. Saiu vitorioso e aprovou a sua pauta de reivindicações. Com certeza, é o segmento que dispõe de maior mobilidade política e maior autonomia em relação à burocracia universitária. Será impossível, mesmo para os segmentos mais contidos, recusar sua maior reivindicação: a paridade nas eleições para reitor.

Em segundo lugar, o Conselho Universitário (Consuni), órgão máximo da UnB, restabeleceu o seu poder político. O Consuni chamou para si a responsabilidade pela administração da crise e teve papel decisivo na condução pacífica das medidas. Daqui para frente, o Consuni certamente não abrirá mão do papel político que lhe cabe para decidir os rumos da UnB. Seus membros se valorizaram, o que é positivo.

Em terceiro lugar, o movimento docente parece ter acordado de longa letargia. Nos últimos anos, ele se limitou às reivindicações salariais, e a Adunb, associação docente, ficou esvaziada. Os professores deram uma guinada entre uma e outra assembléia, e aderiram às demandas dos alunos. A Adunb, embora ativa, estava isolada. A crise lhe ofereceu a oportunidade de retomar seu lugar histórico. A atual diretoria soube conduzir com competência as negociações. A entidade recuperou sua representatividade.

Houve saudável deslocamento do poder político no câmpus. A comunidade universitária se mobilizou, e tudo indica que a mobilização vai durar. Há nova reitoria no poder, com feições diferentes e, sobretudo, há eleições pela frente.

É inevitável que os órgãos colegiados, em todos os níveis, assumam maior responsabilidade daqui por diante nas decisões políticas. Há indicadores nesse sentido. Os professores se mobilizaram, voltaram a se reunir e discutir os rumos da UnB, coisa que estava relegada à administração central. Sem atitude de terra arrasada, a nova reitoria indica que vai fazer uma gestão colegiada. Isso tudo mobiliza, envolve, motiva a participação. A universidade parece estar superando os traumas e entrando numa nova fase, mais colegiada, mais democrática. A UnB cresceu com a crise.

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Correio Braziliense
02/04/2008

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